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"Setor privado na Defesa da Concorrência"

Artigo de Fernanda Farina

 

Artigo Publicado no Jornal O Valor Econômico, Legislação & Tributos em 26/1/2016



No final do ano passado a Polícia Federal, o Ministério Público e o CADE deflagraram a chamada Operação Dubai, que objetivava desarticular prática de cartel no setor de combustíveis no Distrito Federal. De acordo com a PF, o prejuízo gerado pelos acordos do grupo alcançou cerca de R$1 bilhão. Nas palavras do presidente do CADE, Vinícius Marques, em entrevista à imprensa concedida em dezembro de 2015, “o consumidor de Brasília foi aviltado com o combustível mais caro do país”.


O caso acima relatado é apenas um exemplo dentre inúmeros outros envolvendo práticas anticoncorrenciais. Práticas essas que prejudicam todos os agentes econômicos envolvidos no mercado alvo, desde fornecedores até consumidores finais. Mas quem protege todas essas vítimas avilatadas? E mais do que isso, quem rapara os danos por elas sofridos?


Observando-se a realidade brasileira, facilmente identificam-se três agentes: o CADE, o MP e a PF – todos órgãos do Estado. Mas se olharmos para fora, principalmente para os EUA, Reino Unido e Europa, um personagem estará faltando: as vítimas.


A experiência e a doutrina internacional demonstram que parte importante da eficácia da política antitruste de um país está no seu enforcement privado. Ou seja, o combate às práticas anticoncorrenciais depende não só da atuação dos agentes públicos mas também das próprias vítimas. Os agentes “privados” – consumidores e empresas lesadas – têm o direito de ver reparados os danos sofridos pelos atos anticompetitivos. Reparação esta que se mostra arma essencial para coibir novos atos.


Assim, identifica-se duas grandes estruturas na defesa da concorrência: uma pública, ou seja, o Estado por meio de seus vários órgãos, e outra privada. Esta última abarca os processos ajuizados por indivíduos que buscam reparação ou prevenção de danos. As duas esferas, pública e privada, devem ser complementares na construção de uma política antitruste efetiva.


Dentre as ações privadas, no entanto, uma espécie particular se destaca como aquela com melhor potencial de gerar efeitos preventivos. Trata-se das ações coletivas, no Brasil representadas pelas ações civis públicas para tutela de direitos individuais homogêneos. Esse tipo específico de ação coletiva permite a tutela conjunta dos direitos de um grupo de indivíduos em uma só demanda, que é oferecida por um representante do grupo. Isso possibilita que os custos da ação para o indivíduo sejam drasticamente reduzidos pela escala, o que permite que aqueles que não levariam seu caso a juízo, o façam por meio da coletividade.


Ademais, com a agregação das demandas há considerável ampliação da condenação potencial, o que aumenta, em consequência, o custo de oportunidade à cartelização. A coletivização dos direitos individuais funciona, dessa forma, não só como instrumento de ampliação do acesso à justiça como também mecanismo de prevenção de novas práticas.


Nos EUA, grande expoente deste instrumento, a ação das vítimas normalmente se dá por meio das class actions. Entre 2007 e 2010, 3.168 ações individuais foram ajuizadas nos EUA para reparação dos danos causados por condutas anticompetitivas. Dentre elas, 1.811 foram federal class actions, o que representa mais de 57% das ações totais promovidas. Dessas, 60% decorreram de condenações administrativas provenientes da autoridade de concorrência americana (FTC) ou de autoridades estrangeiras.


É esse mesmo caminho que percorre agora a Comunidade Europeia, com a aprovação, em 2014, da Diretiva 2014/104/EU, que busca intensificar políticas públicas de estímulo à ações privadas para reparação de danos. Da mesma maneira o Reino Unido, que em 2015 sancionou o Consumer Rights Act, no qual se prevê a possibilidade class action para reparação de danos em matéria antitruste.


Conforme já mencionado, o ordenamento jurídico brasileiro também permite que usemos da mesma ferramenta. A conjugação de diversas previsões legais autoriza indiscutivelmente o oferecimento de ações coletivas para reparação agregada dos danos sofridos pelas vítimas de ilícitos econômicos. Não obstante, a realidade dos foros não demonstra mesma relevância. Pouquíssimas são as ações ajuizadas pelas vítimas - sejam elas empresas ou consumidores - objetivando indenização decorrente de práticas anticoncorrenciais (cartéis, monopólios, preço predatório etc).


Grande parte dessa inexpressividade se dá pela falta da cultura de coletivização no Brasil, derivada de uma herança excessivamente individualista do processo. Além disso, a restrição legal dos legitimados à propositura da ação coletiva também dificulta a sua expansão. A lei determina que, dentre os agentes privados, apenas associações com mais de um ano de existência possam propor ações civis públicas. Isso acaba por limitar o alcance do instrumento, que poderia ter garras muito mais amplas. No entanto, não o inviabiliza, e tampouco impede o oferecimento de demandas individuais para indenização por práticas anticompetitvas. Ademais, o novo Código de Processo Civil, que entra em vigor neste ano, também permite a agregação dessas ações por outros mecanismos, que não coletivização. Temos saída, portanto.


É preciso, urgentemente, que as vítimas preencham essa lacuna na política antitruste brasileira. As ações para reparação de danos significam não só fazer justiça aos indivíduos lesados, mas principalmente dificultar as práticas anticompetitivas. Precisamos nos alinhar à política internacional de enforcement privado no antitruste. Todos ganhamos com isso: vítimas, sociedade e a livre concorrência. Só perdem os infratores, que terão mais um lutador de peso para concorrer.





Fernanda Farina - Publicado em 26 de janeiro de 2016

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